segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O TEMPO

O TEMPO

Foram anos ou apenas instantes. Melhor seria se tivessem sido apenas instantes, mas não, foram anos mesmo. Anos de uma vida que se perdeu por aí. Anos em que eu me perdi de mim mesma. É como se um dia adormecesse com 20 anos a acordasse aos 50. O que foi que fiz este tempo todo mesmo? Perdi-me na correria da vida. Eu que me achava tão consciente acabei sendo tão inconseqüente e, justamente com a pessoa mais importante: eu mesma.

A todos servi e de mim mesma esqueci.

Hoje me vejo barganhando com o tempo como se isto fosse negociável. Descubro que não é. Lembro-me de todos os conselhos dados aos filhos. Nonsense. Eu mesma deveria tê-los escutado.

O preço a pagar por tal esquecimento é alto, muito alto. As pessoas são implacáveis em julgar perguntando como pude deixar que isto acontecesse. Pessoas conscientes, antenadas, inteligentes não podem ficar à margem do mundo deste jeito. Concordo que não deveriam, mas o tempo parece nos preparar armadilhas para não o vermos passar.

Dizem que há um tempo para tudo. Tempo de plantar e tempo de colher. Mas como colher se plantamos em seara alheia, ou pior, como colher se a colheita já foi feita e o que sobrou foram apenas alguns grãos caídos no caminho.

Dizem também que o tempo tudo cura. Ou mata? Já que a ele ninguém sobrevive mesmo.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

PARTE FINAL

...continuação
E quando, por um descuido meu, senti-me fraquejar, os motores me falharam, um vagalhão nos pegou pela popa, jogando-nos de encontro àquilo que parecia ser um abismo.

De fato era. E tudo que eu pude ver antes de começar a afundar foi meu capitão saltando dentro de um dos botes que nos acompanhava naquele dia.

Mas como? Um capitão abandonando sua embarcação à própria sorte?E se não afundasse, ficaria eu à deriva? Estaria mesmo isto tudo acontecendo ou minha imaginação estava me pregando peças novamente como gostava de dizer meu capitão? Quantas perguntas sem respostas. E eu que pensava já saber todas as respostas, descobri que nada sabia.

Silêncio. Fui me deixando levar pelas águas enfurecidas e descobri que quanto mais afundava mais calmas estas se tornavam. Silêncio. Quanto tempo teria se passado? Não tinha como saber. Apenas sei que senti uma força vinda de não sei onde e era como se alguém me puxasse pela mão. E, vagarosamente, fui subindo e pensando: - Eu sabia que meu capitão não me abandonaria. Emergi com a certeza de que o veria ao meu lado.

Sentia uma alegria inexplicável. Olhei em todas as direções e ainda assim não o via. Sentia-me forte, confiante e me perguntava onde ele estaria, pois já não tinha mais tanta certeza de sua presença ao meu lado.

Aos poucos fui me dando conta de que a tempestade havia cessado e que eu não estava à deriva. Navegava novamente em águas tranqüilas. Cheguei aqui carregando em minha dor momentos bons e de pranto. De repente fui lançada às águas e forçada a nadar em águas tumultuosas. Foi quando percebi que havia aprendido a evitar as correntezas, a desviar dos bancos de areia e também das tempestades.

Quanto àquele capitão nunca mais o encontrei. Não guardo rancores tampouco amarguras. Encontrei meu Norte outra vez. Hoje tenho a certeza de que Meu Capitão está no comando. Não há mais nada a temer.

Teus são meus dias e Tuas as minhas noites.


Soli Deo gloria

sábado, 19 de fevereiro de 2011

PARTE 4

...continuação
E finalmente chegou o tempo da grande tormenta. Era uma manhã como outra qualquer, os preparativos para a partida se concretizavam, porém eu sentia que havia algo de diferente no ar. E tal como os animais eu farejava o perigo. Lembro-me de que ainda hesitei em partir, dando sinais de fraqueza no motor, engasguei, falhei, como que para impedir a nossa partida. Por certo se tivesse insistido teríamos ficado no porto, mas eu já não tinha mais forças para lutar contra o inevitável. Como poderia eu, uma velha embarcação, impedir meu capitão de se lançar às águas e ser feliz novamente, logo eu que dedicara a minha existência à sua felicidade.

E tendo isto como certo partimos para aquela que, embora eu ainda não soubesse, seria a nossa última viagem juntos. Partimos como tantas outras vezes fizéramos. Apenas mais uma jornada e pronto, voltaríamos para o nosso porto seguro. Mas os planos para nós eram outros.

Pouco tempo após termos partido, notei meu capitão sério, como que preocupado em demasia com alguma coisa. Tentei demonstrar interesse rangendo os motores, mas ele não fez conta. Das outras vezes que usara desta artimanha sempre havia dado certo. Não desta vez.

Éramos agora como dois estranhos. Aonde havia ido parar toda aquela cumplicidade? Não mais nos comunicávamos com nossos olhares. Talvez porque não nos olhássemos mais porque meu capitão agora olhava em outra direção.

Seguimos navegando e pude notar algumas nuvens se aproximando, mas certamente meu capitão também as via. Notei, porém que não se desviava. E apenas quando era tarde demais foi que pude perceber sua intenção.

Uma tempestade se aproximava e ele não dava sinais de que se desviaria. Pelo contrário, senti que começou a exigir mais e mais de mim como se quisesse entrar naquele inferno mais rapidamente. E então eu tive a certeza. Era isto mesmo, ele não pretendia mais evitar as tempestades. Caímos, assim, dentro da pior das piores. Pensei desta vez é o fim, ou pelo menos, será o meu fim.

Só o meu? Não, claro que não. Todo mundo sabe que o capitão não abandona a sua embarcação. Antes, prefere afundar com ela.

É verdade, mas com este capitão foi diferente. A chuva fustigava o seu rosto. Não havia muito que fazer, já que não se enxergava nada. Subíamos muito alto para depois despencar ao sabor dos vagalhões que pareciam brincar conosco. Foram tantas as pancadas em meus costados que a certa altura a dor cessou. Lembro-me de ter pensado: - Deve ser o fim!

Por quanto tempo mais poderíamos suportar tamanha fúria? O tempo passava e parecia que não saíamos do lugar. Era como se tivéssemos entrado em um redemoinho e, assim, olhávamos em todas as direções ao mesmo tempo sem ver saída.
                                                                                                              continua...

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

PARTE 3

...continuação
Ao retornar, a decepção; agora a sua embarcação lhe parecia ainda mais envelhecida. Decididamente ele não a queria mais. Precisava dar um jeito de se livrar dela.

E certo dia, falava ele com alguém a cerca da tal embarcação e eu quase não podia acreditar. Neste momento notei que comecei a fazer água por todos os lados. Desespero, de onde estaria vindo tanta água de uma só vez e tão de repente. Eu sabia estar precisando de reparos, mas também tinha consciência de que não eram tantos assim.

Quando meu capitão se deu conta do que estava acontecendo entrou em desespero, pois achou que sua velha embarcação não agüentaria o tranco daquela vez. Esta parecia ser a pior das tempestades que atravessavam juntos. E a pior das ironias é que sequer estava chovendo.

Passaram-se alguns meses até que as fissuras fossem todas consertadas ou, pelo menos, assim pareciam. Meses estes em que não pudemos sair do porto, não só pelas fissuras, mas também pelo medo que meu capitão estava de se arriscar em águas tranqüilas, porém desconhecidas.

Dizem que o tempo tudo cura, mas acho que isto não se aplica a nós, embarcações, no nosso caso o tempo apenas denuncia a nossa precariedade, deixando à mostra toda nossa vulnerabilidade. E isto meu capitão não suportava ver, pois apenas evidenciava a sua própria vulnerabilidade. E isto o seu orgulho não admitia, envelhecer não era com ele. Muito ainda havia para ser aproveitado e podia adivinhá-lo se perguntando como não havia percebido o tempo passar. Como era possível que estivesse com aquela idade e nada tivesse vivido ainda.

Era como se de repente tivesse acordado e pudesse sentir a vida pulsar dentro dele pela primeira vez. Tentou fugir, tentou ficar, mas ficou mesmo foi no meio do caminho. Nunca mais foi o mesmo, meu capitão. Era possível vê-lo tentando para depois desabar novamente.

Parecia agora que pouco tínhamos em comum, não que não tivéssemos mais os nossos bons momentos. Pelo contrário, nós os tínhamos e eram muito bons, mas eram apenas isto; momentos e já não eram mais suficientes. Ficava sempre aquele gosto de querer mais. Mais do quê? Apenas meu capitão sabia a resposta.

Sentia agora estar perdendo meu Norte, meu Sul, meu Leste e Oeste. Falhava-me a tão preciosa bússola em meio àquela imensidão azul. Desaparecia a certeza do amanhã. Tentei remendar o casco com os retalhos esgarçados de um passado distante. Dos ideais sobraram farrapos, dos sonhos, pedaços, da longa jornada, cansaço.

No ancoradouro tento trazer o horizonte para mais perto. Não preciso encontrar saída, pois a porta já se abriu. Sequer mais solucionar mistérios, pois estes já estão solucionados. Basta-me agora viajar, mas sem perder a alma.


Desta vez mergulho no oceano da minha alma, Perco-me em minhas águas mais profundas. Navego em mim mesma e me desfaço em ondas que vem e vão.  A verdadeira esperança é a certeza de que todo mal pode ser vencido e isto é a âncora da alma. Âncora que sustenta a vida e dá paz e segurança na tormenta.
                                                                                                                         continua...

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

PARTE 2

...continuação

No entanto, meu capitão sempre dava um jeito de nos levar até o nosso destino em segurança.

Algumas vezes, poucas, recolheu-me ao estaleiro para alguns reparos. -“Nada muito dispendioso” dizia ele, somente o necessário para que não afundássemos em razão das fissuras no casco ou pequenos arranjos no motor para que não fossemos pegos de surpresa e ficássemos à deriva.

E lá íamos nós. Mas, milhas e milhas mal navegadas foram nos afastando. A cada vez que atracávamos podíamos notar que algumas embarcações, tão conhecidas nossas não haviam retornado. Sabíamos que não mais as veríamos e, assim, percebíamos que o tempo estava passando rápido também para nós.

Meu capitão estava se tornando uma criatura cada vez mais obstinada e impaciente. Quanto a mim, bem, notava que também já não era a mesma. Começava a dar mostras de um cansaço que sequer sabia de onde vinha ou quando havia começado. Ansiava por navegar em águas diferentes, seguir novas rotas, mas sem meu capitão isto me parecia impossível. Embarcações não podem ter vontade própria, não podem se lançar em aventuras sozinhas. Foram criadas para serem capitaneadas e meu capitão, este, há muito já não demonstrava a mesma alegria em me conduzir mar afora. Muitas ocasiões percebia até mesmo o seu olhar comprido para outras embarcações mais novas e mais bonitas. Mas eram olhares fugazes ainda por essa época.

Nada parecia poder nos ameaçar. Éramos felizes todos juntos. Ou, pelo menos, assim eu pensava. Muitas viagens, poucas lembranças. Muitas alegrias que superavam em muito as poucas tristezas.


Tivemos tempos em que precisamos esquecer de nós mesmos para cuidar dos pequenos botes que por serem mais frágeis demandavam maior cuidado e atenção para que não se lançassem em aventuras perigosas. E sempre com muita firmeza meu capitão os conduzia para perto de nós. Chegaria o dia em que poderíamos deixá-los partir, pois nossas viagens estavam se tornando mais curtas e não mais passávamos longos meses sem atracar em algum porto. Portanto, logo eles poderiam se lançar em suas próprias aventuras. Enquanto este dia não vinha, íamos mostrando a eles caminhos seguros, rotas conhecidas, como evitar correntezas e como saber que uma tempestade se aproximava.

Teus eram os meus dias e tuas as minhas noites, meu capitão. Quando atracados, dormíamos embalados pelas ondas que se remexiam ao sabor do vento. Dormíamos juntos, pois já não sabíamos mais dormir de outra forma que não fosse esta.

Novos tempos vieram e com eles novos hábitos. Meu capitão parecia já não dispor mais de tempo para nós entretido que estava com as novidades. Novidades estas que o levaram para longe muitas vezes. E numa dessas vezes meu capitão viu pela primeira vez uma embarcação própria para se navegar em águas calmas e nela embarcou.

Embarcações novas em águas tranqüilas não têm fissuras no casco tão cedo. Não rangem motores à toa. Navegam descompromissadamente como se desfilassem em dia de procissão. Sem sobressaltos, podiam aproveitar melhor o tempo juntos. Sem sobrecarga, navegavam placidamente na certeza de chegar.

Teria sido perfeito não fosse por um pequeno detalhe, a embarcação não lhe pertencia e, portanto, o desembarque era certo.
                                                                                                                               continua...

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

UM BARCO À DERIVA....

                                           

Navego suavemente em águas mansas noite adentro. É noite sem lua. Nada vejo, mas também não é preciso, meu capitão cuida de tudo. Sei que em suas mãos estou segura. Bela dupla formamos. Faz tanto tempo que preciso fazer um grande esforço para lembrar como tudo começou.

Ele, um jovem marujo em busca de uma embarcação. Eu, recém saída do estaleiro ansiando por alguém que me lançasse às águas e eu, assim, pudesse cumprir a finalidade para a qual havia sido criada.

Não pensem que foi fácil criar estes laços que nos uniram por tanto tempo. Não, não foi não. Foram precisos muitos anos, muitos ajustes até que finalmente nos lançássemos nesta grande aventura. Desbravamos mares calmos, por vezes tempestuosos, mas sempre com a certeza de que chegaríamos ao nosso destino.

Por esta época meu capitão era firme, muito seguro de si e sempre que percebia alguma hesitação minha só o que me dizia era: - “Coragem menina, vamos conseguir”. E isto bastava para eu obedecer as suas ordens e deixar que as ondas arrebentassem em meus costados.

Já viajávamos juntos há algum tempo quando meu capitão decidiu que levaríamos dois pequenos botes conosco, já que as viagens agora eram mais longas e solitárias.

Tempos de calmaria, tranquilidade e muita cumplicidade. Mas a carga aumentara e meu capitão demonstrava um certo ar cansado, por vezes abatido; ao que eu reagia, boa embarcação que era, colaborando e não dando mostras de sentir o peso extra que carregava.

Tantas foram as viagens. De algumas recordo em detalhes, outras nem tanto; outras ainda por completo dou por esquecidas.

Tempos difíceis vieram quando meu capitão deixava-nos atracados e desaparecia por horas, dias, meses a fio. O que fazia neste tempo demorei a descobrir. Achava apenas que bastava corresponder quando de mim exigia força, ânimo, potência; embora já há muito precisasse de cuidados. Fissuras no casco, muitas vezes em lugares onde não se podia avistar. Motor que por vezes falhava, nada sério, mas eu sabia que poderia ser muito mais arrojada se tivesse estes pequenos cuidados.

Meu capitão não reparava e eu também não dava mostras de precisar de cuidados já que ele levava uma vida dura. Manter uma embarcação como esta não era nada fácil. A cada saída precisávamos de combustível para todos. A cada vez que levantávamos âncora eu achava que seria a última viagem que faríamos todos juntos.

Desbravamos mares difíceis, águas revoltas. Meu capitão se mostrava irritado, por vezes impaciente; o que me fazia gemer baixinho para não incomodar. Achava que velhas embarcações deviam ser discretas até para ranger os motores que por vezes palpitavam em demasia e entravam em total descompasso.
                                                                                              continua....

QUALQUER COISA


 
Certo dia encontrei na rua uma cadelinha da mais pura estirpe vira lata passeando com seu dono. Muito serelepe me rodeou, saltou, lambeu e foi o bastante para me conquistar. Não que eu seja difícil de ser conquistada por estes seres que recebemos de presente dos céus. Já totalmente apaixonada perguntei ao dono o nome dela e como resposta recebi um pode chamar de “qualquer coisa” que ela atende e continuou explicando que a havia encontrado na rua e nem mesmo ele sabia o nome da bichinha. Pensei comigo, coitadinha, sequer um nome escolheram para ela. Pareceu-me que aquele novo dono, apesar de tê-la recolhido da rua, não estava lá muito comprometido com ela. E isto me levou a pensar nas escolhas que fazemos na vida, ou melhor, nas que deixamos de fazer, já que é mais fácil deixar que escolham por nós. Seja por imediatismo, pois é mais rápido optar por não fazer nenhuma escolha; seja por cordialismo, pois é mais simpático responder com um “qualquer coisa”; ou até mesmo comodismo, pois não estou a fim de me comprometer.

Qualquer coisa é nenhuma escolha. Muita coisa, pouca coisa, alguma coisa, coisa nenhuma, isto ou aquilo; mas jamais “qualquer coisa”. Esta não é uma opção válida e nos anula como pessoa. Vamos nos acostumando a aceitar escolhas alheias, vamos nos encolhendo diante da vida e outros passam a ocupar o nosso espaço, até chegar o dia em que nos vemos diante de uma situação em que ou fazemos a nossa escolha ou pereceremos de uma vez. E neste momento descobrimos que sequer sabemos do que gostamos. Descobrimos que deixamos de gostar, de ter opiniões e o torpor é tal que precisamos parar e, talvez pela primeira vez, pensar do que gostamos.

Certa ou errada faça a sua escolha, comprometa-se. Será a sua decisão. Não abdique do seu lugar no mundo.

Quanto à cadelinha, bem esta seguirá pela vida sendo chamada de “qualquer coisa” já que a ela não foi dada a prerrogativa da escolha.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

TODOS JUNTOS

Tantos Natais juntos e agora todos separados.
Todos os Natais de todos separados.
Cada qual em seu mundo.
Mas, não fazemos parte do mesmo mundo?
Então estamos todos juntos.
Nossas memórias são uma só.
Mesmo separados, todas as nossas lembranças se voltarão para nós mesmos.
Os mesmos Natais, as mesmas pessoas.
Mesmo aquelas que foram saindo de cena.
Mesmo estas permanecerão.
E farão parte de nossos Natais até que nós mesmos tenhamos de sair de cena.
E, assim, deixar que nossas memórias se perpetuem nos que ficarem.
E esta é a certeza de que estaremos sempre todos juntos em todos os Natais.