quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

PARTE 2

...continuação

No entanto, meu capitão sempre dava um jeito de nos levar até o nosso destino em segurança.

Algumas vezes, poucas, recolheu-me ao estaleiro para alguns reparos. -“Nada muito dispendioso” dizia ele, somente o necessário para que não afundássemos em razão das fissuras no casco ou pequenos arranjos no motor para que não fossemos pegos de surpresa e ficássemos à deriva.

E lá íamos nós. Mas, milhas e milhas mal navegadas foram nos afastando. A cada vez que atracávamos podíamos notar que algumas embarcações, tão conhecidas nossas não haviam retornado. Sabíamos que não mais as veríamos e, assim, percebíamos que o tempo estava passando rápido também para nós.

Meu capitão estava se tornando uma criatura cada vez mais obstinada e impaciente. Quanto a mim, bem, notava que também já não era a mesma. Começava a dar mostras de um cansaço que sequer sabia de onde vinha ou quando havia começado. Ansiava por navegar em águas diferentes, seguir novas rotas, mas sem meu capitão isto me parecia impossível. Embarcações não podem ter vontade própria, não podem se lançar em aventuras sozinhas. Foram criadas para serem capitaneadas e meu capitão, este, há muito já não demonstrava a mesma alegria em me conduzir mar afora. Muitas ocasiões percebia até mesmo o seu olhar comprido para outras embarcações mais novas e mais bonitas. Mas eram olhares fugazes ainda por essa época.

Nada parecia poder nos ameaçar. Éramos felizes todos juntos. Ou, pelo menos, assim eu pensava. Muitas viagens, poucas lembranças. Muitas alegrias que superavam em muito as poucas tristezas.


Tivemos tempos em que precisamos esquecer de nós mesmos para cuidar dos pequenos botes que por serem mais frágeis demandavam maior cuidado e atenção para que não se lançassem em aventuras perigosas. E sempre com muita firmeza meu capitão os conduzia para perto de nós. Chegaria o dia em que poderíamos deixá-los partir, pois nossas viagens estavam se tornando mais curtas e não mais passávamos longos meses sem atracar em algum porto. Portanto, logo eles poderiam se lançar em suas próprias aventuras. Enquanto este dia não vinha, íamos mostrando a eles caminhos seguros, rotas conhecidas, como evitar correntezas e como saber que uma tempestade se aproximava.

Teus eram os meus dias e tuas as minhas noites, meu capitão. Quando atracados, dormíamos embalados pelas ondas que se remexiam ao sabor do vento. Dormíamos juntos, pois já não sabíamos mais dormir de outra forma que não fosse esta.

Novos tempos vieram e com eles novos hábitos. Meu capitão parecia já não dispor mais de tempo para nós entretido que estava com as novidades. Novidades estas que o levaram para longe muitas vezes. E numa dessas vezes meu capitão viu pela primeira vez uma embarcação própria para se navegar em águas calmas e nela embarcou.

Embarcações novas em águas tranqüilas não têm fissuras no casco tão cedo. Não rangem motores à toa. Navegam descompromissadamente como se desfilassem em dia de procissão. Sem sobressaltos, podiam aproveitar melhor o tempo juntos. Sem sobrecarga, navegavam placidamente na certeza de chegar.

Teria sido perfeito não fosse por um pequeno detalhe, a embarcação não lhe pertencia e, portanto, o desembarque era certo.
                                                                                                                               continua...

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