quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

UM BARCO À DERIVA....

                                           

Navego suavemente em águas mansas noite adentro. É noite sem lua. Nada vejo, mas também não é preciso, meu capitão cuida de tudo. Sei que em suas mãos estou segura. Bela dupla formamos. Faz tanto tempo que preciso fazer um grande esforço para lembrar como tudo começou.

Ele, um jovem marujo em busca de uma embarcação. Eu, recém saída do estaleiro ansiando por alguém que me lançasse às águas e eu, assim, pudesse cumprir a finalidade para a qual havia sido criada.

Não pensem que foi fácil criar estes laços que nos uniram por tanto tempo. Não, não foi não. Foram precisos muitos anos, muitos ajustes até que finalmente nos lançássemos nesta grande aventura. Desbravamos mares calmos, por vezes tempestuosos, mas sempre com a certeza de que chegaríamos ao nosso destino.

Por esta época meu capitão era firme, muito seguro de si e sempre que percebia alguma hesitação minha só o que me dizia era: - “Coragem menina, vamos conseguir”. E isto bastava para eu obedecer as suas ordens e deixar que as ondas arrebentassem em meus costados.

Já viajávamos juntos há algum tempo quando meu capitão decidiu que levaríamos dois pequenos botes conosco, já que as viagens agora eram mais longas e solitárias.

Tempos de calmaria, tranquilidade e muita cumplicidade. Mas a carga aumentara e meu capitão demonstrava um certo ar cansado, por vezes abatido; ao que eu reagia, boa embarcação que era, colaborando e não dando mostras de sentir o peso extra que carregava.

Tantas foram as viagens. De algumas recordo em detalhes, outras nem tanto; outras ainda por completo dou por esquecidas.

Tempos difíceis vieram quando meu capitão deixava-nos atracados e desaparecia por horas, dias, meses a fio. O que fazia neste tempo demorei a descobrir. Achava apenas que bastava corresponder quando de mim exigia força, ânimo, potência; embora já há muito precisasse de cuidados. Fissuras no casco, muitas vezes em lugares onde não se podia avistar. Motor que por vezes falhava, nada sério, mas eu sabia que poderia ser muito mais arrojada se tivesse estes pequenos cuidados.

Meu capitão não reparava e eu também não dava mostras de precisar de cuidados já que ele levava uma vida dura. Manter uma embarcação como esta não era nada fácil. A cada saída precisávamos de combustível para todos. A cada vez que levantávamos âncora eu achava que seria a última viagem que faríamos todos juntos.

Desbravamos mares difíceis, águas revoltas. Meu capitão se mostrava irritado, por vezes impaciente; o que me fazia gemer baixinho para não incomodar. Achava que velhas embarcações deviam ser discretas até para ranger os motores que por vezes palpitavam em demasia e entravam em total descompasso.
                                                                                              continua....

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